segunda-feira, 23 de março de 2015

Trechos de uma linda sentença retirada do livro de IED do livro do Prof. João Batista Herkenhoff

Trechos de uma magnífica sentença, retirada do livro de IED do Prof. João Baptista Herkenhoff. Trata-se de um caso em que uma jovem universitária, após ter parado o trânsito por causa do "afogamento" do seu carro, foi multada por seis infrações e chamou o guarda de trânsito , conhecido como guarda-sorriso, de "guardinha". O referido agente a processou por desacato:
"Não se pode reduzir o juiz a mero porta-voz da lei, como queria Montesquieu.
O Direito não se esgota na lei. Esta revela, quando revela, uma de de suas faces. O Direito é fato social, vivo e palpitante(...)"
"A orientação da presente sentença tem precedente assinalável. O então Juiz e hoje Desembargador Substituto, Dr. Homero Mafra, absolveu dois jovens universitários, acusados de possuir e fumar maconha, embora reconhecendo expressamente a configuração do crime, para manter neles viva a esperança na misericórdia humana. (´A Gazeta`, edição de 8 de mais de 1973).
É dentro dessa visão do Direito que entendo deva Argentina R.M. ser absolvida. Não me parece socialmente justo retirar dessa jovem de 24 anos, aluna do Curso de Ciências Biológicas da UFES, a condição de primária, pelos fatos que o processo relata. Mesmo simplesmente multada, ela passa à condição de criminosa, ou seja, autora de um crime. Muitas portas lhe serão fechadas na vida, por ter criminalmente condenada, e esta consequência é desproporcional aos fatos narrados pelo processo.
Se se quer fazer da sentença um silogismo, se se quer fundar a jurisdição na lógica matemática, a acusada deve ser condenada.
Mas o juiz não é um aplicador mecânico da lei.
´A letra mata: o espírito vivifica`, disse o Apóstolo Paulo.
Toda norma penal contém uma advertência genérica, de disciplina social, que opera pela sua simples existência.
A aplicação da norma abstrata aos casos concretos é entregue a homens, os juizes.
Creio que o simples processo é, para Argentina R.M., aqui presente, advertência suficiente, além das multas de trânsito que lhe foram impostas.
Não me parece que a vítima, o guarda de trânsito José G.D. Morais, apelidado o ´Guarda-Sorriso`, só possa ter reparação moral com o apenamento criminal da moça.
A sentença anulada já proclamara o seu mérito e esta nova o reafirma. Era preciso que houvesse muitos guardas-sorriso, muitos homens-sorriso, muitas crianças-sorriso, para tornar menos agreste este mundo tão tenso, tão competitivo, tão cruel.
Com fundamento no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que invoco expressamente (art. 381, inciso IV, do Código de Processo Penal), lei, como é sabido, extensível a todas as esferas do Direito - dispositivo que permite ao juiz realizar amplamente a interpretação teológica de todo e qualquer preceito legal - ABSOLVO Argentina R.M. da imputação que lhe foi feita" (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito: abertura para o mundo do direito, síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro, Thex, 2006, p. 355-356)

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