AOS JURISTAS DE AMANHÃ
(Mensagem aos iniciantes no estudo do Direito)[1]
Paulo Nader –
Introdução ao Estudo do Direito
Conheço
as dúvidas e inquietações dos acadêmicos ao ingressarem nos cursos jurídicos.
Durante muitos anos, no magistério de disciplinas propedêuticas, desenvolvi
processos interativos com os jovens, tendo por objeto não apenas os conceitos
gerais ou específicos de nossa Ciência, mas ainda os aspectos psicológicos que
envolvem o começo da aprendizagem.
Na
fase de iniciação, muitas são as dificuldades. A linguagem técnica dos livros
constitui, invariavelmente, um desafio a ser superado e, às vezes, o obstáculo
do acadêmico situa-se também na verbalização de suas ideias, ao carecer de
recursos para a exposição clara de seu pensamento. Acresce, para muitos, a
frustração ao não encontrar, de imediato, os assuntos que despertam o seu
fascínio, como o habeas corpus ou o mandado
de segurança.
Em
lugar da análise de institutos jurídicos populares, a temática que se lhes
apresenta é de conteúdo sociológico ou filosófico, que o seu espírito não
assimila com avidez. As especificidades se limitam, por ora, às noções
fundamentais do Direito. Compreende-se, um projeto tão grandioso quanto o de
formação do jurista de amanhã, não se executa aleatoriamente, nem atendendo a
imediatidade dos interesses. Os conteúdos são relevantes, mas o método adequado
de aprendizagem é indispensável, tanto na seleção dos temas, quanto na
sequencialidade de seus estudos.
Durante
o curso, a teoria e a prática são igualmente importantes e devem ser cultivadas
sem preponderância de enfoque. O saber apenas teórico é estéril, pois não
produz resultados; a prática, sem o conhecimento principiológico, é nau sem
rumo, não induz às soluções esperadas. Para ser um operador jurídico eficiente,
o profissional há de dominar os princípios que informam o sistema. O raciocínio
em torno dos casos concretos se organiza a partir deles, que são os pilares da
Ciência do Direito. A resposta para as grandes indagações e a solução dos casos
complexos não se encontram em artigos isolados de leis, mas na articulação de
paradigmas e a partir dos inscritos na Constituição da República.
A experiência de vida é um
fator favorável ao estudo do Direito, que é uma disciplina das relações
humanas. Quem está afeito à engrenagem social ou aos problemas da convivência
possui uma vantagem, pois o conhecimento da pessoa natural e da sociedade
constitui um pré-requisito à compreensão dos diversos ramos jurídicos.
As disciplinas epistemológicas,
que não tratam do teor normativo das leis, mas de suas categorias fundantes,
devem ser a prioridade nos primeiros períodos. O acadêmico pode até,
paralelamente, acompanhar o andamento de processos, engajando-se em escritório
de advocacia, o que não deve é preterir os estudos de embasamento ou adiá-los.
A assimilação de práticas concretas, sem aquela preparação, pode gerar vícios
insanáveis.
Tão importante quanto a formação
técnica do futuro profissional é o desenvolvimento paralelo de sua consciência
ética; é o seu compromisso com a justiça. A seriedade na conduta, a firmeza de
caráter, a opção pelo bem despertam o respeito e dão credibilidade à palavra. O
saber jurídico, sem os predicados éticos, não se impõe, não convence, pois gera
a desconfiança.
A implementação do jurista de
amanhã se faz mediante muita dedicação. A leitura em geral, especialmente na
área de ciências humanas, se revela da maior importância. O desejável é que o
espírito se mantenha inquieto, movido pela curiosidade científica, pela vontade
de conhecer a organização social e política, na qual se insere o Direito. Para
os acadêmicos, tão importante quanto a lição dos livros é a observação dos fatos,
da lógica da vida, pois eles também ensinam. O hábito de raciocinar é da maior
relevância, pois nada aproveita quem apenas se limita a ler ou a ouvir. Cada
afirmativa, antes de assimilada, deve ser avaliada, submetida à análise
crítica.
O curso jurídico é um processo
pedagógico, que visa a criar o hábito de estudo. A educação jurídica requer
perseverança, é obra do tempo. Ela amolda o espírito, orientando-a na
interpretação do ordenamento e na arte de raciocinar. A busca do saber é atividade
que apenas se inicia nos centros universitários; o seu processo é interminável.
Por mais sábio que seja o jurista não poderá abandonar os compêndios. A
renovação dos conhecimentos há de ser uma prática diária, ao longo da vida.
Na vida universitária, que é toda de
preparação, o estudo de línguas deve ser cultivado e a partir da bela
flor do Lácio, que é instrumento insubstituível em nosso trabalho. Ao seu
lado, outras se revelam da maior importância para as pesquisas científicas,
como a espanhola, a francesa, a italiana e a alemã, entre outras. O
conhecimento da língua inglesa permitirá a participação do futuro jurista em
conclaves internacionais.
Ao ingressar nas Faculdades, os
estudantes devem ter em mente um projeto, visando a sua formação profissional.
Haverão de ser ousados em sua pretensão: por que não um jurista ou um causídico
de projeção? Um mestre ou um jurisconsulto de nomeada? O fundamental, depois,
será a coerência durante o período de aprendizado: a utilização de meios ou
instrumentos que transformem o projeto em realidade.
A nota que distingue o verdadeiro
jurista, a meu ver, é a sua autonomia para interpretar as novas leis; é a capacidade
para revelar o direito dos casos concretos, sem a dependência direta da
doutrina ou da jurisprudência. Estas são importantes instrumentos na definição
das normas e do sistema jurídico em geral, mas devem ser apenas coadjuvantes
nos processos cognitivos. Dentro desta visão, o acadêmico há de preocupar-se
mais com os princípios e técnicas de decodificação do que propriamente em
assimilar os conteúdos normativos. Estes, muitas vezes, possuem vida efêmera,
pois as leis e os códigos estão em contínua mutação, acompanhando a evolução da
sociedade
O ordenamento jurídico que o legislador
oferece aos profissionais do Direito carece de sistematização ou de coerência
interna e apresenta importantes omissões, ditadas algumas pelo avanço no âmbito
das ciências da natureza, como a Biologia e a Física. Cabe ao intérprete a
tarefa de cultivar a harmonia do sistema e de propor o preenchimento de
lacunas.
A teoria, como se depreende, é
importante, não a ponto de prescindir da experiência, adquirida na análise de
casos propostos. Não se formam juristas apenas pela leitura de livros, no
recolhimento das bibliotecas. Ressalvadas, pelo menos em nosso meio, as figuras
exponenciais de Pontes de Miranda e de Miguel Reale, desconheço a figura do
jurista precoce, daquele que domina o saber jurídico em plena juventude, antes
mesmo de sua colação de grau e de se afeiçoar aos embates forenses.
O jurista de amanhã se encontra, hoje,
nas Faculdades de Direito. Este vir a ser depende, preponderantemente, do
esforço de cada acadêmico, de sua determinação em realizar o seu projeto
pessoal. Seus pais e mestres, com seu apoio, orientação e palavra de estímulo,
desempenham papel nesta conversão de potência em ato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário