segunda-feira, 30 de março de 2015

Novo salto

"O novo salto que penso deva ser dado, corajosamente, pelo aplicador do Direito, sobretudo pelo juiz, impõe que ele não se enclausure na sua ciência, causadora de rigidez perceptiva, mas que se abra às outras ciências, à Economia, à Política, à Sociologia, à Psicologia, e que se deixe tocar pela influência das correntes fenomenológica e existencialista, bem como das escolas sociológicas." (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito: abertura para o mundo do direito, síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Thex)

domingo, 29 de março de 2015

Juiz Acomodado Está Servindo às Forças Sociais Dominantes (João Baptista Herkenhoff)

Extraído de: HERKENHOFF, João Baptista. Como Aplicar o Direito: (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-política).3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p 141.

O Juiz de Direito João Baptista Herkenhoff tornou-se conhecido da população da Grande Vitória no início de 1975, quando a imprensa divulgou a sentença pronunciada por ele no julgamento da empregada doméstica Neuza Fernandes, que ficou presa por três meses por ter sido denunciada à política por sua patroa que acusara Neuza de ter furtado 150 cruzeiro. Eis a íntegra da sentença:

“Considerando o pequeno valor do furto; considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por essa terra, em vez de procurar a polícia por causa de 150 cruzeiros, teria facilitado a ida da acusada para Governador Valadares, ainda mais porque ela havia revelado sua inadaptação a esta cidade, certamente inadaptação maior no próprio lar, por causa do padrasto; considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal;  considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em 150 cruzeiros, mas não processa os patrões que lesam seus empregados, que lhes negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos; considerando que o cárcere é um fator criminogênico e que não se pode mais tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados para nessa universidade do crime adquirirem, aí sim, intensa periculosidade local; relaxo a prisão de Neusa Fernandes, determinando que saia deste Palácio da Justiça em Liberdade. Lamento que a Justiça não esteja equipada para que o caso seja entregue a uma assistente social. Se assistente social não tenho, tenho o verbo, e acredito no verbo, porque ´o verbo se fez carne e habitou entre nós´`”

sábado, 28 de março de 2015

Sentenças com alma e paixão? - João Baptista Herkenhoff

  "Podem ter alma e paixão as sentenças que os juízes proferem?

Sentenças e despachos devem ser frios, equidistantes dos dramas tantas vezes presentes nas questões judiciais?
Pode a condição de Mãe fundamentar um despacho de soltura de uma acusada?
Essas perguntas, pelo que sinto, despertam a curiosidade de muitas pessoas, não apenas daquelas ligadas ao mundo do Direito.
A meu ver, o esquema legal da sentença não proíbe que ela tenha alma, que nela pulse a vida, e valores, e emoção, conforme o caso.
Em várias oportunidades, os jornais têm registrado sentenças marcadas pelo sentimento, pela empatia, sem desdouro para os magistrados que as subscrevem.
Na minha própria vida de juiz, senti muitas vezes que era preciso dar sangue e alma às sentenças. Para que Justiça se fizesse, não bastava a construção racional de um frio silogismo.
Este artigo contém, no seu bojo, o despacho que libertou Edna, a que ia ser Mãe.
Esta peça judicial resume minha concepção do Direito.
Como devolver à Edna, protagonista do caso, a liberdade, sem penetrar fundo na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana? Foi o que tentei fazer.
Edna, uma pobre mulher, estava presa há 8 meses, prestes a dar à luz, porque fora apanhada portanto alguns gramas de maconha. Dei um despacho fulminante, carregado de emoção e da ira santa que a injustiça provoca.
Este despacho, quando a ele me refiro em palestras e cursos, encontra uma resposta tão forte junto aos ouvintes, que cedo à tentação de transcrevê-lo.
Talvez a transcrição ajude a responder as indagações que colocamos no início deste artigo.
Eis, pois, o despacho:
A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.
É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.
Edna encontrou um companheiro e com ele constituiu família. Mudou inteiramente o rumo de sua vida. A criança, se fosse homem, teria o nome do juiz, conforme declarou na audiência. Mas nasceu-lhe uma menina que se chamou Elke, em homenagem a Elke Maravilha.
Onde estará Edna com sua filha?
Distante que esteja, eu a homenageio. Pela tarde em que a libertei, por essa simples tarde, valeu a pena ter sido juiz."( HERKENHOFF, João Baptista. Sentenças com alma e paixão? Disponível emhttp://www.lfg.com.br 24 junho. 2008. )

Citando Dom Quixote

"Para o futuro, esperamos que desvaneçam as saudades de épocas passadas cantadas pelo engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha quando, na realidade fantástica em que vivia, lembrava-se de Idades Douradas em que os homens ignoravam as palavras teu e meu, porque 'diziam-se de cor os conceitos amorosos da alma, de modo simples e singelo, tal como ela os concebia, sem buscar artificiosos rodeios de palavras para os tornar exagerados. Não havia a fraude, o engenho, nem a malícia, mesclando-se com a verdade e a lhaneza. A Justiça continha-se nos seus próprios termos, sem que ousassem turbar, nem ofender, os privilegiados e os interesseiros, que hoje tanto enxovalham, perturbam e perseguem. A lei arbitrária ainda não tinha tido assento no espírito dos juízes, porque não havia então o que julgar, nem quem fosse julgado'" (CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 8 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.40-41)

sexta-feira, 27 de março de 2015

Belíssimo trecho do Professor Canotilho

"A ciência jurídica ensinada nas ´Escolas de Direito`oscila entre duas orientações fundamentais: a ´orientação profissional` e a ´orientação acadêmica`. A primeira procura fornecer um saber colocado diretamente ao serviço do jurista prático e das suas necessidades. A segunda, sem perder a dimensão praxeológica (irrenunciável ao direito), visa proporcionar um discurso com um nível teorético-científico (no plano dos conceitos, da construção, da argumentação) que compense a ´cegueira`do mero utilitarismo e evite a unidimensionalização pragmaticista do saber Jurídico" (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Alamedina, p. 17)

terça-feira, 24 de março de 2015

Como ocorre o progresso do Direito, sob o aspecto substancial

Mais uma vez, para tratarmos sobre o assunto, pedimos vênia para citar o eminente professor João Baptista Herkenhoff:

"Opera-se o progresso do Direito, sob o aspecto substancial:

a) quando o jurista, sob a inspiração de um espírito crítico e construtivo, abandona a postura de servo do direito vigente;

b) quando o jurista recusa ao Direito o papel de força conservadora e aceita o desafio de ajudar a colocá-lo a serviço das forças progressistas;

c) quando o jurista abandona a cômoda posição de encastelar-se nos gabinetes e desce ao povo, e integra-se no povo, e participa da prática do povo, e repensa o Direito como o povo, e recria o Direito como o povo, "a partir das experiências do povo". (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito: abertura para o mndo do direito, síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Thex, 2006, p. 63)

Utopia e Direito

O tema Utopia e Direito, importantíssimo, possui algumas grandes obras, dentre as quais destacamos o livro "Utopia e Direito: Ernst Bloch e a Ontologia Jurídica da Utopia" do Professor Alysson Leandro Mascaro,

Não obstante, hoje destacaremos alguns trechos do livro de IED do Professor João Baptista Herkenhoff.

"É a utopia que dá luzes para ver e julgar o Direito vigente na sociedade em que vivemos e para estigmatizá-lo como um Direito que apenas desempenha o papel de regulamentar a opressão; um Direito da desigualdade; um Direito injusto, porque, no processo da produção, privilegia o capital; um Direito que, consagrando essa distorção básica, faz com que dela decorra uma rede de distorções que maculam todos os institutos jurídicos."(HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Thex, 2006, p. 15)

"É a utopia que dá instrumentos para ver e construir, pela luta, o Direito de amanhã: o Direito de igualdade; o Direito das maiorias, aquele que beneficiará quem produz, o Direito dos que hoje são oprimidos; o Direito que proscreverá a exploração do homem pelo homem, o Direito fraterno e não o Direito do lobo; o Direito que o povo vai escrever depois que conquistar o Poder, o Direito que nascerá das bases" (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Thex, 2006, p. 16)

"O presente pertence aos pragmáticos. O futuro é dos utopistas" (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Thex, 2006, p. 16)

segunda-feira, 23 de março de 2015

Trechos de uma linda sentença retirada do livro de IED do livro do Prof. João Batista Herkenhoff

Trechos de uma magnífica sentença, retirada do livro de IED do Prof. João Baptista Herkenhoff. Trata-se de um caso em que uma jovem universitária, após ter parado o trânsito por causa do "afogamento" do seu carro, foi multada por seis infrações e chamou o guarda de trânsito , conhecido como guarda-sorriso, de "guardinha". O referido agente a processou por desacato:
"Não se pode reduzir o juiz a mero porta-voz da lei, como queria Montesquieu.
O Direito não se esgota na lei. Esta revela, quando revela, uma de de suas faces. O Direito é fato social, vivo e palpitante(...)"
"A orientação da presente sentença tem precedente assinalável. O então Juiz e hoje Desembargador Substituto, Dr. Homero Mafra, absolveu dois jovens universitários, acusados de possuir e fumar maconha, embora reconhecendo expressamente a configuração do crime, para manter neles viva a esperança na misericórdia humana. (´A Gazeta`, edição de 8 de mais de 1973).
É dentro dessa visão do Direito que entendo deva Argentina R.M. ser absolvida. Não me parece socialmente justo retirar dessa jovem de 24 anos, aluna do Curso de Ciências Biológicas da UFES, a condição de primária, pelos fatos que o processo relata. Mesmo simplesmente multada, ela passa à condição de criminosa, ou seja, autora de um crime. Muitas portas lhe serão fechadas na vida, por ter criminalmente condenada, e esta consequência é desproporcional aos fatos narrados pelo processo.
Se se quer fazer da sentença um silogismo, se se quer fundar a jurisdição na lógica matemática, a acusada deve ser condenada.
Mas o juiz não é um aplicador mecânico da lei.
´A letra mata: o espírito vivifica`, disse o Apóstolo Paulo.
Toda norma penal contém uma advertência genérica, de disciplina social, que opera pela sua simples existência.
A aplicação da norma abstrata aos casos concretos é entregue a homens, os juizes.
Creio que o simples processo é, para Argentina R.M., aqui presente, advertência suficiente, além das multas de trânsito que lhe foram impostas.
Não me parece que a vítima, o guarda de trânsito José G.D. Morais, apelidado o ´Guarda-Sorriso`, só possa ter reparação moral com o apenamento criminal da moça.
A sentença anulada já proclamara o seu mérito e esta nova o reafirma. Era preciso que houvesse muitos guardas-sorriso, muitos homens-sorriso, muitas crianças-sorriso, para tornar menos agreste este mundo tão tenso, tão competitivo, tão cruel.
Com fundamento no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que invoco expressamente (art. 381, inciso IV, do Código de Processo Penal), lei, como é sabido, extensível a todas as esferas do Direito - dispositivo que permite ao juiz realizar amplamente a interpretação teológica de todo e qualquer preceito legal - ABSOLVO Argentina R.M. da imputação que lhe foi feita" (HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito: abertura para o mundo do direito, síntese de princípios fundamentais. Rio de Janeiro, Thex, 2006, p. 355-356)

domingo, 22 de março de 2015

Resumo do Capítulo 2 (Lições Preliminares de Direito - Miguel Reale): O Direito e as Ciências Afins


Faz-se mister verificar quais as ligações do Direito, os seus nexos com outras ordens de conhecimento, especialmente com a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito e a Sociologia do Direito

a) Noção de Filosofia do Direito

“Filosofia” é uma palavra de origem grega, de philos (amizade, amor) e sophia (ciência, sabedoria). Filósofo não é o senhor de todas as verdades, mas apenas um fiel amigo do saber. A amizade significa a dedicação de um ser humano a outro, sem qualquer interesse, com sentido de permanência, de perenidade. Amizade constitui-se um laço permanente de dedicação. A “Filosofia”, portanto, poderia ser vista, de início, como dedicação desinteressada e constante ao bem e à verdade: dedicar-se ao conhecimento, de maneira permanente e não ocasional, sem visar intencionalmente a qualquer escopo prático ou utilitário, eis a condição primordial de todo e qualquer conhecimento filosófico.
No que se refere propriamente à Filosofia do Direito, seria ela uma perquirição permanente e desinteressada das condições morais, lógicas e históricas do fenômeno jurídico e da Ciência do Direito. O Direito é um fenômeno histórico-social sempre sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no tempo.
Se resumirmos os tipos de indagações formuladas, chegaremos a três ordens de pesquisas, a que a Filosofia do Direito responde: Que é Direito? Em que se funda ou se legitima o Direito? Qual o sentido da história do Direito?
Em conclusão, o filósofo do Direito indaga dos princípios lógicos, éticos e histórico-culturais do Direito.

b) Noção de Ciência do Direito

A Ciência do Direito, ou Jurisprudência – tomada esta palavra na sua acepção clássica - , tem por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente realizada.
A Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias. Não há Ciência do Direito em abstrato, isto é, sem referência direta a um campo de experiência social.
Será essa referibilidade imediata à experiência a nota caracterizadora de uma investigação jurídica de natureza científico-positiva. Donde pode-se dizer que a ciência do Direito é uma forma de conhecimento positivo da realidade social segundo normas ou regras objetivadas, ou seja, tornadas objetivas, no decurso do processo histórico.
O Direito Positivo é o Direito que, em algum momento histórico, entrou em vigor, teve ou continua tendo eficácia.

c) Noção de Teoria Geral do Direito

A Ciência jurídica não fica circunscrita à análise destes ou daqueles quadros particulares de normas, mas procura estrutura-los segundo princípios ou conceitos gerais unificadores.
“Teoria”, do grego theoresis, significa a conversão de um assunto em problema, sujeito a indagação e pesquisa, a fim de superar a particularidade dos casos isolados, para englobá-los numa forma de compreensão, que correlacione entre si as partes e o todo. Já Aristóteles nos ensinava que não há ciência senão do genérico.
Para que se eleve ao plano de uma Teoria Geral do Direito, a Ciência Jurídica se elava representando a parte geral comum a todas as formas de conhecimento positivo do Direito, aquela na qual se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica.
Alguns autores distinguem entre Teoria Geral do Direito e Enciclopédia Jurídica, atribuindo a esta a tarefa de elaborar uma súmula de cada uma das disciplinas do Direito, numa espécie de microcosmo jurídico.
Parece-nos de bem reduzido alcance esse cinerama jurídico. É à introdução ao Estudo do Direito que cabe, a nosso ver, dar uma noção geral de cada disciplina jurídica, mas sem a pretensão de realizar uma síntese das respectivas questões fundamentais.

d) Direito e Sociologia

Em linhas gerais, porém, pode-se dizer que a Sociologia tem por fim o estudo do fato social na estrutura e funcionalidade, para saber, em suma, como os grupos humanos se organizam e se desenvolvem, em função dos múltiplos fatores que atuam sobre as formas de convivência.
A Sociologia tem por objetivo verificar como a vida social comporta diversos tipos de regras, como reagem em relação a elas, nestas ou naquelas circunstâncias etc.
Hoje em dia, a Sociologia, sem perder o seu caráter de pesquisa global ou sistemática do fato social enquanto social, achega-se mais à realidade, sem a preocupação de atingir formas puras ou arquetípicas. Desenvolve-se antes como investigação das estruturas do fato social, inseparáveis de sua funcionalidade concreta, sem considerar acessórios ou secundários os “estudos de campo”, relativos a áreas delimitadas da experiência social.
A Sociologia Jurídica apresenta-se, hodiernamente, como uma ciência positiva que procura se valer de rigorosos dados estatísticos para compreender como as normas jurídicas se apresentam efetivamente, isto é, como experiência humana, com resultados que não raro se mostram bem diversos dos que eram esperados pelo legislador. A Sociologia Jurídica não vis à norma jurídica como tal, mas sim à sua eficácia ou efetividade, no plano do fato social.
Desnecessário é encarecer a importância da Sociologia do Direito para o jurista ou para o legislador. Se ela não tem finalidade normativa, no sentido de instaurar modelos de organização e de conduta, as suas conclusões são indispensáveis a quem tenha a missão de modelar os comportamentos humanos, para considera-los lícitos ou ilícitos.

e) Direito e Economia.

Entre os fins motivadores da conduta humana destacam-se os relativos à nossa própria subsistência e conservação, tendo as exigências vitais evidente caráter prioritário.
A regra é a satisfação primordial dos interesses relacionados com a vida e o seu desenvolvimento.
Esse tipo de ação, orientada no sentido da produção e distribuição de bens indispensáveis ou úteis à vida coletiva, é a razão de ser da Economia.
Segundo o materialismo histórico, o Direito não seria senão uma superestrutura, de caráter ideológico, condicionado pela infra-estrutura econômica. É esta que, no dizer de Marx, modela a sociedade, determinando as formas de Arte, de Moral ou de Direito, em função da vontade da classe detentora dos meios de produção. Quem comanda as forças econômicas, através delas plasma o Estado e o Direito, apresentando suas volições em roupagens ideológicas destinadas a disfarçar a realidade dos fatos.
Para Reale, essa teoria peca inclusive do vício lógico de conceber uma estrutura econômica anterior ao Direito e independente dele, quando, na realidade, o Direito está sempre presente, qualquer que seja a ordenação das forças econômicas. Por outro lado, quando uma nova técnica de produção determina a substituição de uma estrutura jurídica por outra, a nova estrutura repercute, por sua vez, sobre a vida econômica, condicionando-a. Para ele, há uma interação constante entre Economia e Direito, não se podendo afirmar que a primeira cause o segundo ou que o Direito seja mera “roupagem ideológica” de uma dada forma de produção.
Para Reale, portanto, há uma interação dialética entre o econômico e o jurídico, não sendo possível reduzir essa relação a nexos causais, nem tampouco a uma relação entre forma e conteúdo.

O Direito, segundo Reale, está cheio de regras que disciplinam atos totalmente indiferentes ou alheios a quaisquer finalidades econômicas. Seria próprio do Direito receber os valores econômicos, artísticos, religosos etc., sujeitando-os às suas próprias estruturas e fins, tornando-os, assim, jurídicos na medida e enquanto os integra em seu ordenamento. 

Resumo do Capítulo 1 (Lições Preliminares de Direito - Miguel Reale) Objeto e Finalidade da Introdução ao Estudo do Direito

a)Noção elementar de Direito

Aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto.
O Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade.
Santi Romano concebeu-o como “realização de convivência ordenada”.
A experiência jurídica se forma da relação entre os homens, por isso denominadas relações intersubjetivas, por envolverem sempre dois ou mais sujeitos. Daí a sempre nova lição de um antigo brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o Direito). A recíproca também é verdadeira: ubi jus, ibi societas.
O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social.
Somente num estágio bem maduro da civilização que as regras jurídicas adquirem estrutura e valor próprios, quando a humanidade passa a considerar o Direito como algo merecedor de estudos autônomos.
Não é necessário enfatizar a alta significação dessa conversão de um fato (e, de início, o fato da lei ligava-se ao fado, ao destino, a um mandamento divino) em um fato teórico, isto é, elevado ao plano da consciência dos respectivos problemas.

b) Multiplicidade e Unidade do Direito

O Direito divide-se, em primeiro lugar, em duas grandes classes: o Direito Privado e o Direito Público. As relações que se referem ao Estado e traduzem o predomínio do interesse coletivo são chamadas relações públicas, ou de Direito Público. Porém, o homem não vive apenas em relação com o Estado mas também e principalmente com seus semelhantes: a relação que existe entre pai e filho, ou então, entre quem compra e vende determinado bem, não é uma relação que interessa de maneira direta ao Estado, mas sim ao indivíduo enquanto particular. Essas são as relações de Direito Privado.
O Direito é um conjunto de estudos discriminados : abrange um tronco com vários ramos; cada um desses ramos tem o nome de disciplina.
No conceito de disciplina há sempre a ideia de limite discriminado o que pode, ou deve ou o que não deve ser feito, mas dando-se a razão dos limites estabelecidos à ação.
Há, em cada comportamento humano, a presença, embora indireta, do fenômeno jurídico: o Direito está pelo menos pressuposto em cada ação do homem que se relacione com outro homem.
Quando, várias espécies de normas do mesmo gênero se correlacionam, constituindo campos distintos de interesse e implicando ordens correspondentes de pesquisa, temos as diversas disciplinas jurídicas, sendo necessário apreciá-las no seu conjunto unitário, para que não se pense que cada uma delas existe independentemente das outras. As disciplinas jurídicas representam e refletem um fenômeno jurídico unitário que precisa ser examinado. Um dos primeiros objetivos da Introdução ao Estudo do Direito é a visão panorâmica e unitária das disciplinas jurídicas.  

c) Complementaridade do Direito

A segunda finalidade da Introdução ao Estudo do Direito é determinar a complementaridade das disciplinas jurídicas, ou o sentido sistemático da unidade do fenômeno jurídico.
As ciências jurídicas não obedecem uma unidade física ou orgânica. A Ciência Jurídica obedece ao terceiro tipo de unidade, o finalístico ou teleológico. A ideia de fim deve ser reservada ao plano dos fatos humanos, sociais ou históricos.

d) Linguagem do Direito

Cada ciência exprime-se numa linguagem. Onde quer que exista uma ciência, existe uma linguagem correspondente. Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar, dignidade que bem poucas ciências podem invocar.
Sem a linguagem do Direito não haverá possibilidade de comunicação.
Uma das finalidades de nosso estudo é esclarecer ou determinar o sentido dos vocábulos jurídicos, traçando as fronteiras das realidades e das palavras.
e) O Direito no Mundo da Cultura
Devemos colocar o fenômeno jurídico e a Ciência do Direito na posição que lhes cabe em confronto com os demais campos da ação e do conhecimento. A quarta missão da nossa disciplina consiste em localizar o Direito no mundo da cultura no universo do saber humano. Que relações prendem o Direito à Economia? Que laços existem entre o fenômeno jurídico e o fenômeno artístico? Que relações existem entre o Direito e a Religião? Quais os influxos e influências que a técnica e as ciências físico-matemáticas exercem sobre os fatos jurídicos? É preciso que cada qual conheça seu mundo, o que é uma forma de conhecer-se a si mesmo.

f) O método no Direito

Na introdução ao Estudo do Direito são adquiridas as noções básicas do método jurídico. Método é o caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade, ou, por outras palavras, de um resultado exato ou rigorosamente verificado. Sem método não há ciência. Quando dizemos que temos ciência de uma coisa é porque verificamos o que a seu respeito se enuncia. A ciência é uma verificação de conhecimentos, e um sistema de conhecimentos verificados. Cada ciência tem a sua forma de verificação.
Quem está no primeiro ano de uma Faculdade de Direito deve receber indicações para a sua primeira viagem quinquenal, os elementos preliminares indispensáveis para situar-se no complexo domínio do Direito, cujos segredos não bastará a vida toda para desvendar.

g) Natureza da Introdução ao Estudo do Direito

Trata-se de ciência introdutória, como a própria palavra está dizendo, ou seja, uma ciência propedêutica, na qual o elemento de arte é decisivo. Quem escreve um livro de Introdução ao Estudo do Direito compõe artisticamente dados de diferentes ramos do saber, imprimindo-lhes um endereço que é a razão de sua unidade.

Trata-se de um sistema de conhecimento recebidos de múltiplas fontes de informação, destinado a oferecer os elementos essenciais ao estudo do Direito, em termos de linguagem e de método, com uma visão preliminar das partes que o compõem e de sua complementaridade, bem como de sua situação na história da cultura. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Sociabilidade Humana (fonte: Introdução ao Direito - Antonio Bento Betioli)

O homem sempre é encontrado em convivência com os demais. Surge inicialmente em pequenos grupos sociais (tribos, clãs, famílias) e depois núcleos maiores (aldeia, cidade, Estado).

O ambiente para a existência humana é o social. Ele “existe” e “coexiste”. Para o ser humano, “viver é conviver”, “ser com”: com as coisas, com os outros, consigo mesmo. Thomas Merton afirmava que “homem algum é uma ilha”.

Começando a fazer parte de grupos organizados, torna-se um ser “político”, ou seja, membro de uma polis, de uma cidade, de um Estado, adquirindo direitos e deveres.

Para Platão (428-348 a.C.) o homem é essencialmente alma. Cada alma existe e se realiza por sua própria conta, independente das outras. O corpo comporta uma série de necessidades que podem ser satisfeitas apenas com a ajuda dos outros.

Aristóteles (383-322 a.C.) vê o homem como constituído essencialmente de alma e corpo, e, movido por esta constituição, é necessariamente ligado aos vínculos sociais. A própria natureza o faz organizar-se em uma sociedade. O homem fora da sociedade é um bruto ou um deus, significando algo inferior ou superior à condição humana.

Santo Tomás de Aquino (1225-1274) considera o homem naturalmente sociável. Assevera que a vida solitária é uma exceção, que pode ser enquadrada numa das três hipóteses: mala fortuna, ou seja, quando por infortúnio qualquer o indivíduo acidentalmente passa a viver em isolamento; corruptio naturae, quando o homem, em casos de anomalia ou alienação mental, desprovido de razão, viverá distanciado dos seus pares; excellentia naturae, que é a hipótese de um indivíduo extremamente virtuoso, possuidor de grande espiritualidade, isolar-se para viver em comunhão com o próprio Deus.
No decorrer da época moderna, a interpretação platônica do fundamento da sociabilidade encontrou anuência por parte de muitos filósofos, como Sipinoza, Hobbes, Locke, Leibnitz, Vico e Rousseau. Sustentavam que a sociedade é um produto de um acordo de vontades, de um contrato hipotético celebrado entre os homens.

Todos eles discordam do impulso associativo natural, afirmando que só a vontade humana justifica a existência da sociedade; trata-se de uma criação humana, um contrato.

Para Thomas Hobbes (1588-1679) o homem é um ser mau e antissocial. Cada ser humano encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. As comunidades primitivas teriam vivido um permanente estado de guerra. Seria “a guerra de todos contra todos”, “o homem era o lobo do próprio homem”. Para dar fim à brutalidade social primitiva, os homens firmaram um contrato entre si, através do qual cada um transferia seu poder de governar a si próprio a um terceiro, o Estado, para que governasse a todos, impondo ordem e segurança à vida social. Essas ideias foram apresentadas no livro “Leviatã”, em que Hobbes compara o Estado ao gigantesco monstro bíblico citados no Livro de Jó (Caps. 40 e 41). O Estado seria uma construção monstruosa, capaz de engolir a todos.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em sua obra “O contrato social” aduz a predominância da bondade humana no estado de natureza; nele o homem é essencialmente bom e livre. O aparecimento da propriedade privada marca o fim desse estado e o início de uma época de conflitos, males e guerras. Ludibriados pelos ricos, os homens são levados a viver em sociedade e sob o poder de uma autoridade, que deveria manter a paz e a justiça por meio das leis. Deram assim, força aos ricos, que destruíram as liberdades naturais, endeusaram a propriedade, fixaram as desigualdades e sujeitaram os demais homens ao trabalho, à servidão e à miséria. O homem, afastando-se do estado de natureza, situou-se no estado de sociedade, que só serve para corrompê-lo e torna-lo infeliz.

A solução para Rousseau estaria na organização de um Estado que só se guie pela “vontade geral”, ou seja, quando só pratica atos, ou edita leis, cujo conteúdo sempre contenha somente interesses comuns a todos os cidadãos e a elas, a sociedade. Assim, sempre reinarão só os interesses de todos, que assim se sentirão livres, satisfeitos e em paz.

O instrumento que se fixaria a estrutura dessa sociedade boa, na qual o Estado se guiará pela vontade geral, é o contrato social. Todos dariam direitos naturais que seriam devolvidos como direitos civis.

O Professor Antônio Bento Betioli, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito[1], explana que “hoje, com apoio nos estudos de Vico, entendemos a sociedade e o Estado como realidade históricas resultantes da natureza social do próprio indivíduo. Em segundo, entendemos que a sociedade é fruto da conjugação de um impulso associativo natural e da cooperação humana. Isso quer dizer que o homem é levado a viver em sociedade por impulso natural e por opção da inteligência e disposição da vontade.”




[1] BETIOLI, Antônio Bento. Introdução ao Direito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 44.

Carta de Paulo Nader - Aos Juristas de Amanhã

AOS JURISTAS DE AMANHÃ
(Mensagem aos iniciantes no estudo do Direito)[1]
Paulo Nader – Introdução ao Estudo do Direito

Conheço as dúvidas e inquietações dos acadêmicos ao ingressarem nos cursos jurídicos. Durante muitos anos, no magistério de disciplinas propedêuticas, desenvolvi processos interativos com os jovens, tendo por objeto não apenas os conceitos gerais ou específicos de nossa Ciência, mas ainda os aspectos psicológicos que envolvem o começo da aprendizagem.

Na fase de iniciação, muitas são as dificuldades. A linguagem técnica dos livros constitui, invariavelmente, um desafio a ser superado e, às vezes, o obstáculo do acadêmico situa-se também na verbalização de suas ideias, ao carecer de recursos para a exposição clara de seu pensamento. Acresce, para muitos, a frustração ao não encontrar, de imediato, os assuntos que despertam o seu fascínio, como o habeas corpus ou o mandado de segurança.

Em lugar da análise de institutos jurídicos populares, a temática que se lhes apresenta é de conteúdo sociológico ou filosófico, que o seu espírito não assimila com avidez. As especificidades se limitam, por ora, às noções fundamentais do Direito. Compreende-se, um projeto tão grandioso quanto o de formação do jurista de amanhã, não se executa aleatoriamente, nem atendendo a imediatidade dos interesses. Os conteúdos são relevantes, mas o método adequado de aprendizagem é indispensável, tanto na seleção dos temas, quanto na sequencialidade de seus estudos.

Durante o curso, a teoria e a prática são igualmente importantes e devem ser cultivadas sem preponderância de enfoque. O saber apenas teórico é estéril, pois não produz resultados; a prática, sem o conhecimento principiológico, é nau sem rumo, não induz às soluções esperadas. Para ser um operador jurídico eficiente, o profissional há de dominar os princípios que informam o sistema. O raciocínio em torno dos casos concretos se organiza a partir deles, que são os pilares da Ciência do Direito. A resposta para as grandes indagações e a solução dos casos complexos não se encontram em artigos isolados de leis, mas na articulação de paradigmas e a partir dos inscritos na Constituição da República. 

A experiência de vida é um fator favorável ao estudo do Direito, que é uma disciplina das relações humanas. Quem está afeito à engrenagem social ou aos problemas da convivência possui uma vantagem, pois o conhecimento da pessoa natural e da sociedade constitui um pré-requisito à compreensão dos diversos ramos jurídicos.

As disciplinas epistemológicas, que não tratam do teor normativo das leis, mas de suas categorias fundantes, devem ser a prioridade nos primeiros períodos. O acadêmico pode até, paralelamente, acompanhar o andamento de processos, engajando-se em escritório de advocacia, o que não deve é preterir os estudos de embasamento ou adiá-los. A assimilação de práticas concretas, sem aquela preparação, pode gerar vícios insanáveis.

Tão importante quanto a formação técnica do futuro profissional é o desenvolvimento paralelo de sua consciência ética; é o seu compromisso com a justiça. A seriedade na conduta, a firmeza de caráter, a opção pelo bem despertam o respeito e dão credibilidade à palavra. O saber jurídico, sem os predicados éticos, não se impõe, não convence, pois gera a desconfiança.

A implementação do jurista de amanhã se faz mediante muita dedicação. A leitura em geral, especialmente na área de ciências humanas, se revela da maior importância. O desejável é que o espírito se mantenha inquieto, movido pela curiosidade científica, pela vontade de conhecer a organização social e política, na qual se insere o Direito. Para os acadêmicos, tão importante quanto a lição dos livros é a observação dos fatos, da lógica da vida, pois eles também ensinam. O hábito de raciocinar é da maior relevância, pois nada aproveita quem apenas se limita a ler ou a ouvir. Cada afirmativa, antes de assimilada, deve ser avaliada, submetida à análise crítica.

O curso jurídico é um processo pedagógico, que visa a criar o hábito de estudo. A educação jurídica requer perseverança, é obra do tempo. Ela amolda o espírito, orientando-a na interpretação do ordenamento e na arte de raciocinar. A busca do saber é atividade que apenas se inicia nos centros universitários; o seu processo é interminável. Por mais sábio que seja o jurista não poderá abandonar os compêndios. A renovação dos conhecimentos há de ser uma prática diária, ao longo da vida.

Na vida universitária, que é toda de preparação, o estudo de línguas deve ser cultivado e a partir da bela flor do Lácio, que é instrumento insubstituível em nosso trabalho. Ao seu lado, outras se revelam da maior importância para as pesquisas científicas, como a espanhola, a francesa, a italiana e a alemã, entre outras. O conhecimento da língua inglesa permitirá a participação do futuro jurista em conclaves internacionais.

Ao ingressar nas Faculdades, os estudantes devem ter em mente um projeto, visando a sua formação profissional. Haverão de ser ousados em sua pretensão: por que não um jurista ou um causídico de projeção? Um mestre ou um jurisconsulto de nomeada? O fundamental, depois, será a coerência durante o período de aprendizado: a utilização de meios ou instrumentos que transformem o projeto em realidade.

A nota que distingue o verdadeiro jurista, a meu ver, é a sua autonomia para interpretar as novas leis; é a capacidade para revelar o direito dos casos concretos, sem a dependência direta da doutrina ou da jurisprudência. Estas são importantes instrumentos na definição das normas e do sistema jurídico em geral, mas devem ser apenas coadjuvantes nos processos cognitivos. Dentro desta visão, o acadêmico há de preocupar-se mais com os princípios e técnicas de decodificação do que propriamente em assimilar os conteúdos normativos. Estes, muitas vezes, possuem vida efêmera, pois as leis e os códigos estão em contínua mutação, acompanhando a evolução da sociedade

O ordenamento jurídico que o legislador oferece aos profissionais do Direito carece de sistematização ou de coerência interna e apresenta importantes omissões, ditadas algumas pelo avanço no âmbito das ciências da natureza, como a Biologia e a Física. Cabe ao intérprete a tarefa de cultivar a harmonia do sistema e de propor o preenchimento de lacunas.

A teoria, como se depreende, é importante, não a ponto de prescindir da experiência, adquirida na análise de casos propostos. Não se formam juristas apenas pela leitura de livros, no recolhimento das bibliotecas. Ressalvadas, pelo menos em nosso meio, as figuras exponenciais de Pontes de Miranda e de Miguel Reale, desconheço a figura do jurista precoce, daquele que domina o saber jurídico em plena juventude, antes mesmo de sua colação de grau e de se afeiçoar aos embates forenses.

O jurista de amanhã se encontra, hoje, nas Faculdades de Direito. Este vir a ser depende, preponderantemente, do esforço de cada acadêmico, de sua determinação em realizar o seu projeto pessoal. Seus pais e mestres, com seu apoio, orientação e palavra de estímulo, desempenham papel nesta conversão de potência em ato.



[1] NADER, PAULO. Introdução ao Estudo do Direito. 32ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2010