Citando indiretamente
Lenio Streck[1],
Rizzatto Nunes traz alguns trechos de decisões que nos deixam atônitos, tendo em vista
sua notória injustiça:
a)Um
indivíduo foi processado criminalmente porque, na noite de Natal, foi a um
baile e pagou o ingresso que custava R$6,00 (seis reais) com um cheque de R$
60,00 (sessenta reais), que teria sido objeto de furto (essa a acusação).O
promotor de Justiça – pasmem! – pediu ao juiz do feito a decretação da prisão
preventiva (sic) do acusado. Fazendo voz com Lenio, pedimos ao estudante-leitor
para imaginar o “grau de periculosidade” daquela pessoa.Deveríamos,
inclusive, perceber o claro interesse público em proteger bailes de Natal desse
quilate – e valor: R$6,00!Por
sorte o Juiz não decretou a prisão preventiva, mas condenou o réu a 2 anos de
reclusão; sentença reformada no Tribunal por falta de provas.
b)
Uma pessoa foi presa preventivamente sob a acusação de ter furtado uma garrafa
de vinho, alguns metros de mangueira plástica e um facão.
Foi
preso e ficou recolhido ao xadrez por mais de 6 meses. Foi absolvido em grau de
recurso por falta de provas.
Ficamos
assim, nós brasileiros, livres preventivamente, por 6 meses, desse cidadão de
tremenda periculosidade. Ainda bem...
c)
Outro foi processado pelo crime de estelionato por ter comprado um limpador de para-brisas,
pago com cheque de R$ 130,00 e recebido o troco de R$80,00. Segundo a acusação
o cheque seria furtado.
Ficou,
também, preso preventivamente. Este por dez meses. Foi condenado a 1 ano e 10
meses de reclusão e não pôde recorrer em liberdade. Por isso, como continuava
preso, ficou no total encarceramento por 14 meses.
Conclusão:
absolvido no Tribunal, por falta de provas.
Como
é que essas coisas podem acontecer, sem qualquer responsabilidade aos
causadores do dano à pessoa?
d)
Dois cidadãos foram condenados a 2 anos de reclusão por terem “subtraído”, das
águas de um bucólico açude no interior do Estado do Rio Grande do Sul, novos
peixes tipo “traíra”, avaliados em – espantem-se – R$7,50!
e)
Uma pessoa ficou presa por ordem da Justiça de Tubarão, Santa Catarina, pelo
período de 60 dias, pela acusação de tentativa de furto de uma cédula de
R$10,00, que nunca foi encontrada.
Bela
decisão esta, a favor da economia e finanças nacionais. Seria cômico se não
fosse tão trágica.
f)
O ex-Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, em visita a uma Delegacia
de Polícia de seu Estado, flagrou um indivíduo preso sob acusação de ter
tentado furtar um aparelho de barbear descartável.
Acrescentamos
que devia estar com a barba feita com aparelhos fornecidos pelo Estado...
g)
Jaider Lopes dos Reis Lemes, inválido, por intermédio de sua mãe, requereu o
benefício que lhe assegura a Constituição Federal (art. 203, V), de um salário
mínimo mensal, que à época era de R$120,00.
A
lei referida no Texto Constitucional diz que a pessoa inválida pode receber o
benefício, desde que a renda per capita da
família não exceda 25% do salário mínimo, ou, no caso, R$30,00.
Quando
teve início o processo administrativo de Jaider unto ao INSS, seu pai recebia a
“polpuda soma” de R$ 169,20 mensais. Com esses R$169,20, o pai de Jaider “sustentava”
cinco pessoas, incluindo ele próprio, inválido.
O
posto do INSS, tão cioso de suas obrigações e prestador de serviço público
essencial, negou o pleito, pois efetuado o cálculo previsto na lei descobriu
que 25% do salário do pai de Jader montavam a – assombrosos – R$33,84, acima,
portanto, do teto legal. Aliás, muito acima: R$3,84!
A
mãe de Jaider recorreu junto à 5ª Junta de Recursos do Distrito Federal e
ganhou o benefício.
Contudo,
a Divisão de Recursos e Benefícios do Ministério da Previdência – aolha aí
nosso cioso serviço público...- recorreu a outra superior instância. A 2ª
Coordenadoria de Consultoria Jurídica, por incrível que isto possa parecer,
entendeu que: “a família do Autor (...) não é uma família miserável, ou seja,
incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência...” (SIC!)
Os
casos acima relatados, apesar da flagrante injustiça perpetuada contra as
pessoas, refletem condutas ilegais e/ou fundadas em textos que violam a
Constituição Federal, se não em abstrato, com certeza, in concreto, cuja
solução tinha de ter sido outra(...)
[1]
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1990 Apud NUNES, Rizzato. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 9 ed. São Paulo: Saraiva, p. 320-321.
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